11 de fev. de 2008

MENINO DE ENGENHO, José Lins do Rego, 1932



“A VELHA Sinhazinha não gostava de ninguém. Tinha umas preferências temporárias por certas pessoas a quem passava a fazer gentilezas com presentes e generosidades. Isto somente para fazer raiva aos outros. Depois mudava. E vivia assim, sem que ninguém gostasse dela e sem gostar direito de ninguém.”

“O povo gostava de ver o rio cheio, correndo água de barreira a barreira. Porque era uma alegria por toda parte quando se falava da cheia que descia. E anunciavam a chegada como se se tratasse de visita de gente viva: - a cheia já passou na Guarita, vem em Itabaiana...
A notícia corria de boca em boca. No engenho era no que se falava. A canoa já estava calafetada e pintada de novo. Nós todos dormíamos pensando na cabeça da cheia que não tardaria. Eu aguardava com uma ansiedade medonha essa cheia que tanto se falava. No Recife, vira o Capibaribe nos seus dias de enchente, coberto de balsas, mas o Capibaribe vivia todos os dias a encher e a vazar com as marés. Por isto pensava tanto na cheia do Paraíba, como em coisa inédita para mim.”

“O rio chegou no batente da cozinha. Ninguém nào vê nenhum pé de cana. É um mar d’água daqui até lá. A canoa passou por cima do cercado do engenho.”

“A ESTRADA de ferro passava no outro lado do rio. Do engenho nós ouviamos o trem apitar, e fazia-se de sua passagem uma espécie de relógio de todas as atividades: antes do trem das dez, depois do trem das duas.”

“A VELHA Totonha de quando em vez batia no engenho. E era um acontecimento para a meninada. Ela vivia de contar histórias de Trancoso. Pequenina e toda engelhada tão leve que uma ventania poderia carregá-la, andava léguas e léguas a pé, de engenho a engenho, como uma edição viva das Mil e Uma Noites. Que talento ela possuía para contar as suas histórias, com um jeito admirável de falar em nome de todos os personagens! Sem nem um dente na boca, e com uma voz que dava todos os tons às palavras."


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